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sexta-feira, 29 de julho de 2016

4 de dezembro de 2015.




 
  Aguardo os próximos clientes enfiando as unhas no material do copo descartável de café. Não sabia do que era feito, mas eu gostava muito de amassá-lo com meus dedos e unhas. Todo expediente eu separava um e o estragava por puro tédio.
  Meu celular vibra. Eu sei que não é você, mas sinto um tipo de esperança. Não é você.
  Como eu deveria agir quando você não está aqui? Eu nunca aprendo.
  Dispenso os serviços "especialmente preparados para mim" da operadora.
  Sirvo mais dois cafés. Escrevo os nomes dos clientes nos recipientes acompanhados de algum desenho que os clientes achavam fofo e atencioso. Ultimamente, eu nem sabia mais o que estava desenhando. Não havia um mínimo de carinho no meu no gesto. O sistema me fez assim. Eu me fiz assim. "Mel" e "Sophia". Forço um sorriso e entrego para as meninas que se esforçaram muito para parecerem suficientemente hipsters.
  Dou uma olhada pelas amplas janelas com persianas do estabelecimento e percebo um tom alaranjado de "início de fim de dia". Um cara com uma jaqueta de cor feia, um livro em baixo do braço e o cabelo sem corte entra na loja. É ele.
  - Hugo. - seu nome escapa quase automaticamente.
  A menina do caixa olha pra mim e sorri. Percebera que era a primeira vez na semana que eu levantava os olhos com um mínimo de interesse.
  - Oi, eu quero o café mais barato da casa, moça. - ele vem até o balcão.
  - Você sabe que tem que ir até o caixa primeiro. - digo, forçando-me para me manter séria. - Onde você esteve? Faz quase uma semana que não te vejo.
  - Três ou quatro dias, na verdade.
  "Cinco" pensei. Tamborilei os dedos no balcão e observei meu próprio gesto.
  - Você podia ter deixado uma mensagem ou ligado... - murmurei.
  - Eu deixei um bilhete. E você também podia ter me ligado ou deixado uma mensagem. - ele colocou sua mão sobre a minha. Eu não quero ser a culpada, mas acho que tenho minha parcela de culpa. Não é fácil um relacionamento com dois orgulhosos. Por que nós gostamos tanto de nos machucar?
  As mãos dele não eram muito grandes, mas eu gostava muito delas. Seu pulso aparecia sob o casaco, mostrando um início de tatuagem. Para ser sincera, eu não gostava das tatuagens dele. Tiro a minha mão debaixo da dele.
  - Eu estava ocupado na loja. - Hugo finalmente respondeu a pergunta.
  - Naquela droga de loja.
  - Naquela droga de loja onde a gente se conheceu. - retrucou.
  - Nós não nos conhecemos lá. Foi no ensino fundamental! Quantas vezes já te falei isso?
  - Éramos pessoas completamente diferentes.
  - Somos pessoas completamente diferentes bem agora. - usei de seus próprios argumentos.
  - Então a gente acabou de se conhecer nessa droga de cafeteria.
  No final, eu nunca conseguia ficar chateada com ele. Não importa quantas pontes eu destrua, quanta dor ele me traga, quantas rebeliões acontecerem. Isso é o que você ganha quando perde o controle dos seus sentimentos. Isso é o que você ganha...
  - Só faça seu pedido. - suspiro e dou um leve sorriso de lado, desses que dá pra contar quantos músculos se mexeram de tão pequeno.
  Instantes depois eu preparava seu "café barato". O nome que ele pedira para escrever no café era "Te vejo depois do expediente?". Desenho detalhadamente pequenas estrelas no recipiente e escrevo a resposta ao invés da pergunta. Lembro de um poema de Ferreira Gullar que gostamos. Entrego o pedido e ele sorri sutilmente ao ler.
"Digo sim."

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