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sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Breve Ensaio sobre Violência e Justiça na Obra Infância de Graciliano Ramos

  Antes de começar: pequenos esclarecimentos. Encontrei no meu computador esse trabalho que fiz no ensino médio, e ainda que não seja algo devidamente acadêmico cheio das normas da ABNT, é fruto do esforço de uma secundarista que estava encantada com os livros sobre o sertão brasileiro. Espero que seja útil para sua pesquisa e/ou curiosidade.

Autoria: Maria Clara L.


Resumo: Ensaio que objetiva analisar os possíveis motivos e reflexos da violência e os conceitos de justiça atribuídos pelo narrador-personagem durante a obra Infância de Graciliano Ramos. Tais temas serão expostos de forma embasada principalmente no conteúdo do livro, mas também de algumas outras fontes com temática associada.

1.      Introdução
 
O tema “Violência e Justiça na Obra Infância” foi selecionado devido a sua importância no desenvolvimento da narrativa e dos personagens, além de favorecer observações em outras obras do mesmo autor e refletir sobre esses aspectos também em casos de cotidianidade.
A partir da leitura integral do texto de Infância é possível notar o quão cíclica e habitualmente a violência é percebida pela maioria dos personagens desse contexto social. Também fica claro a insegurança do narrador-personagem em relação ao seu comportamento diante de fatores violentos, já que se diferencia das maiorias, e também às noções de justiça empenhadas pelas pessoas ao seu redor.
São objetos de análise todos os castigos e agressões de cunho físico ou moral, além das opiniões do narrador sobre os aspectos abordados. Para um aprofundamento mais eficiente, essas abordagens estarão enfocadas nos personagens do romance: atos de violência e concepções de justiça nos quais estão respectivamente envolvidos.
 
 
2.      Desenvolvimento
 
2.1- Conceitos de “Violência” e “Justiça” de Acordo com Bases Atuais
 
Segundo o Dicionário Michaelis (2012), a violência pode ser caracterizada enquanto “[...] 2 Qualidade do que atua com força ou grande impulso; força, ímpeto, impetuosidade. 3 Ação violenta. 4 Opressão, tirania. [...]7 Irascibilidade. 8 Qualquer força empregada contra a vontade, liberdade ou resistência de pessoa ou coisa. 9 Dir Constrangimento, físico ou moral, exercido sobre alguma pessoa para obrigá-la a submeter-se à vontade de outrem; coação”. É de grande importância o enfoque na irascibilidade, impetuosidade e coação para compreender melhor a atitude de grande parte dos personagens, que, pela sua falta de racionalidade e reflexão, acaba se levando pelos impulsos e agindo de forma que seu poder seja demonstrado e estabelecido pela força bruta.
Para o mesmo Dicionário, o verbete justiça é qualificado como “ 1 Virtude que consiste em dar ou deixar a cada um o que por direito lhe pertence. 2 Conformidade com o direito. [...] 6 Autoridade judicial. 7 Ação de reconhecer os direitos de alguém a alguma coisa, de atender às suas reclamações, às suas queixas etc. 8 Poder de decidir sobre os direitos de cada um, de premiar e de punir. 9 Exercício desse poder [...]”. De acordo com os posteriores exemplos, poderá se observar que, de fato, a justiça é uma manifestação do poder que um personagem possui sobre o outro em relação ao que julga correto, com pouco ou nenhum embasamento na lei judicial, mas em suas “leis pessoais” baseadas em seu emocional.
 
É perceptível então a forte ligação entra os conceitos de violência e de justiça estão fortemente atrelados sendo a primeira uma forma de execução de poder e daquilo que subjetivamente considera justo e correto.
 
2.2- Personagens
 
Conforme se avança na leitura das obras de Graciliano Ramos, observa-se que os cenários são compostos mais por indivíduos do que por objetos. O autor valoriza bastante o mergulho psicológico em seus personagens, não temendo caracterizá-los seja da forma mais rudimentar até a mais profunda. Por esse motivo, o aspecto central de ensaio será abordado através dos personagens.
 
2.2.1.      – A Mãe
Desde suas mais oníricas recordações da figura materna, o narrador-personagem tem em mente “[...] uma senhora enfezada, agressiva, ranzinza, sempre a mexer-se, bossas na cabeça mal protegida por um cabelinho ralo, boca má, olhos maus que em momentos de cólera se inflamavam com um brilho de loucura”. Também é dito que quando havia harmonia conjugal, toda essa violência de sua aparência e personalidade pareciam dissolver-se, voltando, porém, com a menor futilidade que lhe devolvesse a inquietação. Também resolvia suas desconfianças da mesma forma que a maioria das outras pessoas do meio: através de ameaças violentas.
Um outro aspecto interessante de sua personalidade são os motivos de seus conflitos, como por exemplo a aversão que sentia pela filha de um casamento anterior de seu marido, que é chamada pelo narrador de “irmã natural”. A mãe do eu-lírico se sentia incomodada pela beleza da menina, da qual não possuía, e, peculiarmente, descontava sua angústia em seus próprios filhos que lhe assemelhavam, pois cria que se maltratava quando os maltratava. Além disso, também se enfastiava quando discordavam de suas crenças, como a religiosa, e usava da força como último argumento.
 
2.2.2.      – O Pai
Ainda que não se lembre de sua primeira infância com clareza, a confusão de lembranças de aspectos violentos é evidente no comportamento dos pais e no próprio ambiente. Um exemplo disso está presente no trecho: “Revejo pedaços deles, rugas, olhos raivosos, bocas irritadas e sem lábios, mãos grossas e calosas, finas e leves, transparentes. Ouço pancadas, tiros, pragas, tilintar de esporas, batecum de sapatões no tijolo gasto”.
Acostumara-se também a ver o pai enquanto uma figura de autoridade, sério e silencioso enquanto acumulava seus berros para seus funcionários da fazenda. Sutilmente, começa então a associação do narrador entre violência e poder no trecho “Meu pai era terrivelmente poderoso, e essencialmente poderoso. Não me ocorria que o poder estivesse, fora dele, de repente o abandonasse, deixando-o fraco e normal[...]”.
Um dos capítulos mais importantes para o tema da “Violência e Justiça” é o capítulo “Um Cinturão”. Nesse, o personagem principal admite que seu envolvimento com a justiça foi doloroso e que lhe deixara marcas profundas, sendo posto no banco do réu pela primeira vez quando tinha cerca de cinco anos e seu pai perde um cinturão seu, julgando o menino enquanto culpado e castigando-o logo em seguida ao ver que a criança estava assustada demais até para se defender. O desespero do infante é tamanho que ele chega a torcer para que alguém chegue e receba o castigo em seu lugar. Ao encontrar o cinturão na rede onde dormira há pouco, o pai reconhece seu erro, mas, possuidor de grande orgulho, não se aproxima do filho para se desculpar. Neste capítulo, o narrador-personagem desenvolve reflexões interessantes, como a justiça como algo que não lhe parecia muito correto e eficiente e o medo enquanto uma violência maior que a própria dor.
O pai possuía, além disso, o costume de chamar o filho por nomes grosseiros, como “papa-lagartas”, entre outros.
Em dado momento da narrativa, o pai resolve ensinar o filho a ler e este acata esse desejo da figura paterna com a esperança de reduzir os castigos recebidos. Entretanto, aprender com o pai se mostra uma tarefa tempestuosa devido a sua impaciência e agressividade; sentia-se tão oprimido que perdia nos pensamentos até aquilo que havia aprendido e era submetido a palmatórias.
Anos mais tarde, ainda que não soubesse de direito, o pai recebera o cargo de juiz substituto já que possuía o “necessário” para a função: a confiança do chefe político atual e a plena noção de que à justiça local convinha que os amigos fossem absolvidos e os inimigos condenados. Apesar da habitual violência aos filhos, no episódio em que manda prender o morador de rua Venta-Romba, o pai mostra-se pouco habilidade na violência enquanto autoridade oficial. O fato é que o narrador evolui o seu conceito de justiça com essa situação ao não ver sentido em prender um homem tão frágil que não podia fazer mal. É possível, então, comparar os capítulos de Venta-Romba e o do Cinturão, onde ambos os personagens se mostravam tão amedrontados que não conseguiram reagir diante da figura do Pai/Juiz e apenas sofreram as punições injustamente. Logo, a concepção de justiça passa a ser objeto de constante desconfiança para o narrador.
 
2.2.3.      – O Papa-hóstia
Tal criança aparece por volta da página 18, e é citada sem muitos detalhes, mas é um dos primeiros exemplos de violência infantil na obra. A história lhe é contada por D. Maria desde muito pequeno, onde o tal menino – Papa-hóstia - era amancebado do Vigário e era maltratado por este último e sua amante, a Folgazona. O narrador não capta muito bem de que forma o rapaz era maltratado, mas em sua ingenuidade, calcula que seja da mesma maneira que seus pais o faziam: através de “bolos, chicotadas, cocorotes, puxões de orelhas”. Por esta questão de identificação, o eu-lírico passa admirar este personagem, já que este último conseguia descontar a sua raiva em algo – como queimar o rabo dos gatos, por exemplo - enquanto o próprio narrador admite não ter jeito para a violência, aguentando todos os “cascudos” em infeliz silêncio. Percebe-se então que o narrador não admirava a violência em si, mas a capacidade de “vingar-se da vida” pelo desconte. A partir desse momento, fica muito claro o aspecto cíclico de descontar frustrações, agressões e outros sentimentos por meio da violência.
 
2.2.4.      – Os Avós
É alegado que a avó materna da personagem principal sofrera com os ciúmes do marido e por esses desgostos não conseguia demonstrar a bondade de sua pessoa.
 
2.2.5.      – Os Freis
Mais um exemplo da conquista do respeito pela agressividade, era a própria figura religiosa do Frei Clemente que é caracterizado como bárbaro por fustigar as mulheres, insultar seus paroquianos e gritar com certa frequência.
 
 
2.2.6.      – O Menino José
Tal figura era uma criança muito ativa que realizava muitas artimanhas. Por volta da página 86 e 87, José é castigado pelo pai do narrador-personagem, que começa a enxergar a justiça como o troco por meio de violência, uma sentença fornecida por uma pessoa de maior força. Porém, ao desejar provar para si mesmo que era capaz de ferir alguém, se junta ao pai para fazer José pagar a pena e acaba também pagando pelo erro, já que o pai acredita que o filho machucou o outro menino. Quando o pai lhe castiga, o narrador acaba por não desenvolver mais sentimentos ruins, pois nota que, de fato, não tinha aptidão para a violência. Repara-se então que a violência é tão constante na vida do eu-lírico que este associa o castigo a uma justa redenção, preferindo receber o castigo esperançoso de que pudesse assim reaver seu perdão e viver bem novamente.
 
 
 
2.2.7.      – Os Professores
Depois de muitas tentativas de ensiná-lo, o pai e o avô do personagem principal resolvem colocá-lo em uma escola, lugar que o narrador considerara injusto e horrendo, pois que não podia negar sua existência.
A primeira profissional da educação que lhe acompanha é D. Maria, que apesar de não ter muito conhecimento, é uma pessoa paciente que lhe afetava de maneira que lhe causava culpa caso não se esforçasse o suficiente, e não por motivos opressores, mas por desejar agradá-la.
Diferentemente da primeira professora, Maria do O se mostra bem diferente da anterior e, assim como o pai, adere à palmatória.
Já o terceiro professor, apesar de ser um homem de mais conhecimento, mostra-se uma figura encolerizada que em sua aspereza agredia os alunos com a palmatória como se “quisesse derrubar o mundo”.
Em certa passagem da narrativa em âmbito escolar, vê-se que a violência é estimulada: aquele que acertasse uma questão difícil teria o direito de bater com a palmatória naqueles que errassem.
 
 
2.2.8.      – Chico Brabo
No período em que apresentou uma doença que lhe causou uma cegueira, o narrador-personagem passa a prestar mais atenção nas palavras e sons ao seu redor, e o comportamento de um dos personagens lhe chama a atenção: Chico Brabo. Tal homem deixava o eu-lírico nervoso já que ele demonstrava aparente tranquilidade até mesmo quando solicitava a presença de seu funcionário João para que lhe castigasse. Esse comportamento explicita ainda mais a cotidianidade da violência, seja na cessão ou recebimento.
Chico Brabo parecia tão complexo para o narrador que ele o divide em dois: o moço sorridente que fornece remédios e o homem ruim que bate em João. O narrador também deduz que se Chico tivesse uma família e/ou mais funcionários, poderia “dividir” suas agressões entre eles igualmente, de forma que tudo não recaísse apenas sobre João.
 
 
 
2.2.9.      – Fernando
Desde que se mudara e seu pai passara a ser dono de uma loja, o narrador sofre perseguição de adultos que o faziam de chacota. Uma passagem interessante a respeito é a qual Fernando o acusa de mentiroso e, para sua defesa, o narrador-personagem declara que esta afirmação é injusta já que não sabe mentir, o que revela uma evolução em sua noção de justiça.
Ao falar um pouco mais sobre o personagem Fernando, averigua-se que ele era um homem de natureza negativa, que violentava meninas e apavorava as mais diversas pessoas, sendo humilhado apenas pelo próprio patrão. Presume-se que muito de seu comportamento tirânico seria um desconte dessas humilhações sofridas.
 
 
2.2.9.1.– O Menino da Escola
Essa criança era excluída na escola e o pai da mesma alegava que o jovem não prestava, mas o próprio narrador não sabia o porquê dessas afirmativas embora demonstre certa curiosidade a respeito. De toda forma, o menino sofria agressões e todos os lugares que frequentava e, mais tarde, se tornaria de fato uma pessoa ruim e violenta.
Tal pessoa morreria vítima de punhaladas de um inimigo, o que parece ser bastante comum no contexto da obra já que as pessoas não se mostravam impressionadas com a “justiça feita pelas próprias mãos” a partir do momento em que estavam acostumadas encontrarem mortos os pobres “cabras ruins”.
De qualquer forma, este menino seria um exemplo do resultado do determinismo social, caso oposto ao do narrador-personagem, que apesar do ambiente e dos maus tratos sofridos permanece uma pessoa não agressiva e com interessantes reflexões sobre a justiça.
 
3.      Conclusão
                           
Após a cuidadosa avaliação das passagens narrativas é possível concluir que a violência no contexto da obra Infância é uma forma de demonstrar poder, argumentar, resolver problemas, descontar sentimentos, estabelecer respeito e, mais abrangentemente, conseguir o que se quer, além de possuir um curioso caráter cíclico. Já a justiça é algo que faz o narrador refletir durante todo o livro e se aproxima mais da desconfiança para com o termo, do que da certeza de que ela concederia penalidades honestas aos reais culpados de algo. Tais concepções fariam o narrador-personagem crescer com tamanha desesperança que nem ao menos cita o menor sonho infantil ou alguma brincadeira que lhe causasse muito prazer em suas próprias memórias.
Além disso, outro fator de destaque foi que, apesar de todas as influências das pessoas e meios, o determinismo não lhe tornou, até o final da narrativa, uma pessoa de índole má ou agressiva. Apesar das animalizações, isso mostra que o livro está além de algo como um pós-Naturalismo, mas está classificado como um Modernismo autêntico que apenas o próprio Graciliano Ramos poderia fornecer.
  
 
Bibliografia
 LINS, Álvaro: Jornal de Crítica – Segunda Série. Rio de Janeiro, 1943 (Artigo sobre Graciliano Ramos)
MICHAELIS (Dicionário de Língua Portuguesa) - Editora Melhoramentos, 2012 – Nova Ortografia – Site: http://michaelis.uol.com.br/)
RAMOS, Graciliano: Infância (Livro) – Editora Record
VESTIBULAR 1 (Site: http://www.vestibular1.com.br/resumos_livros/infancia.htm)

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